sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Sou fraca...
Me vendo à Arte
Me prostituo...
Me vendo a todos os poemas, me compram todas as ideias.
Em troca? Dólar? Euro?...?
Não! Nenhum vintém...
Quero apenas o gozo,
O gozo finito e infinito, agonístico e prazerozo do momento.

(Milena)

-NO PALCO-

A LIÇÃO DE POESIA


1.

Toda a manhã consumida
como um sol imóvel
diante da folha em branco:
princípio do mundo, lua nova.

Já não podias desenhar
sequer uma linha;
um nome, sequer uma flor
desabrochava no verão da mesa:

nem no meio-dia iluminado,
cada dia comprado,
do papel, que pode aceitar,
contudo, qualquer mundo.

2.

A noite inteira o poeta
em sua mesa, tentando
salvar da morte os monstros
germinados em seu tinteiro.

Monstros, bichos, fantasmas
de palavras, circulando,
urinando sobre o papel,
sujando-o com seu carvão.

Carvão de lápis, carvão
da idéia fixa, carvão
da emoção extinta, carvão
consumido nos sonhos.

3.

A luta branca sobre o papel
que o poeta evita,
luta branca onde corre o sangue
de suas veias de água salgada.

A física do susto percebida
entre os gestos diários;
susto das coisas jamais pousadas
porém imóveis - naturezas vivas.

E as vinte palavras recolhidas
as águas salgadas do poeta
e de que se servirá o poeta
em sua máquina útil.

Vinte palavras sempre as mesmas
de que conhece o funcionamento,
a evaporação, a densidade
menor que a do ar.

JOÃO CABRAL DE MELO NETO

-NO PALCO-

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

ANDARES


Estou nos diários,

Dos dias que desapareceram com a semana

Falo dos gestos, do resto,

Sou um corolário

Um rosto complexo paregórico,

O movimento esquece-se do rumo

Sem chegada, sem partida

As notas tristes no calendário.


Tudo vai viver quando você passar

Tudo vai viver depois que você passar

Oh! Vida sempre nova

Tudo vive mesmo que não passe.

A sensação é um precipício

O sensacionalismo é contravenção.


Estou nos dias

Sou números

Doses incômodas

Cercos incômodos...


Mas a luta,

Ah! A luta...

Invocação!


-NO PALCO-

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Álvares de Azevedo

O PASTOR MORIBUNDO

CANTIGA DE VIOLA

A existência dolorida
Cansa em meu peito: eu bem sei
Que morrerei...
Contudo da minha vida
Podia alentar-se a flor
No teu amor!

Do coração nos refolhos
Solta um ai! num teu suspiro
Eu respiro...
Mas fita ao menos teus olhos
Sobre os meus... eu quero-os ver
Para morrer!

Guarda contigo a viola
onde teus olhos cantei...
E suspirei!
Só a idéia me consola
Que morro como vivi...
Morro por ti!

Se um dia tu’alma pura
Tiver saudades de mim,
Meu serafim!
Talvez notas de ternura
Inspirem o doudo amor
Do trovador!


-NO PALCO-