segunda-feira, 7 de março de 2011




Ai de mim! Se neste intento,

e costume de pecar

a morte me embaraçar

o salvar-me, como intento?

que mau caminho freqüento

para tão estreita conta;

oh que pena, e oh que afronta

será, quando ouvir dizer:

vai, maldito, a padecer,

onde Lucifer te aponta.

Valha-me Deus, que será

desta minha triste vida,

que assim mal logro perdida,

onde, Senhor, parará?

que conta se me fará

lá no fim, onde se apura

o mal, que sempre em mim dura,

o bem, que nunca abracei,

os gozos, que desprezei,

por uma eterna amargura.

Que desculpa posso dar,

quando ao tremendo juízo

for levado de improviso,

e o demônio me acusar?

Como me hei de desculpar

sem remédio, e sem ventura,

se for para aonde dura

o tormento eternamente,

ao que morre impenitente

sem confissão, nem fé pura.

Nome tenho de cristão,

e vivo brutualmente,

comunico a tanta gente

sem ter, quem me dê a mão:

Deus me chama co perdão

por auxílios, e conselhos,

eu ponho-me de joelhos

e mostro-me arrependido;

mas como tudo é fingido,

não me valem aparelhos.

Sempre que vou confessar-me,

digo, que deixo o pecado;

porém torno ao mau estado,

em que é certo o condenar-me:

mas lá está quem há de dar-me

o pago do proceder:

pagarei num vivo arder

de tormentos repetidos

sacrilégios cometidos

contra quem me deu o ser.

Mas se tenho tempo agora,

e Deus me quer perdoar,

que lhe hei de mais esperar,

para quando? ou em qual hora?

que será, quando traidora

a morte me acometer,

e então lugar não tiver

de deixar a ocasião,

na extrema condenação

me hei de vir a subverter.

(Gregório de Matos)


-NO PALCO-

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